terça-feira, 5 de outubro de 2010

No início do século passado perguntaram a Valle-Inclán como imaginava que seria o teatro no séc. XXI. Ele, que na altura andava a fugir de uma cena provinciana, burguesa e que, portanto, já era um autor problemático para o seu tempo e de difícil materialização cénica, respondeu rotundo ao jornalista que se o soubesse já o estaria escrevendo.
Estamos agora a um século daquela pergunta e o teatro de Valle-Inclán aparece diante de nós coarctado de uma arquitectura actualíssima, como recém-imaginado para se afundar nas tensões do homem de hoje, luxúria, avareza e morte, e agarrar-nos nas correntes de uma contemporaneidade perplexa, submetendo a nossa acção ao seu ditado radicalmente moderno, como se, verdadeiramente, o seu real compromisso consistisse em escrever para cem anos depois de seu tempo.
Eu, em qualquer caso, como encenador deste aqui e deste agora concreto, não sinto que nada do teatro de Valle-Inclán me resulte anacrónico, velhas heranças de sobrado, mas, pelo contrário, a sua proposta teatral obriga-me a imaginar soluções de arriscada exigência cénica.
Bem sei que Valle-Inclán não é um autor frequente nos palcos portugueses embora os mais sábios da tribo conheçam as estreitas relações que o nosso autor manteve com os intelectuais lusos mais comprometidos do momento e a sua vocação republicana. O seu intenso envolvimento com a língua tem-no, paradoxalmente, afastado de muitas literaturas europeias, dada a dificuldade de adaptar os seus textos sem que se veja alarmantemente perdida a sua genialidade.
Por isso, é para mim uma enorme satisfação contribuir para que a sua palavra seja incorporada no reportório de uma das companhias históricas do teatro português, com tudo quanto significa de aprofundamento do diálogo empreendido há muito tempo entre a Galiza e o Norte de Portugal.
Obrigado, claro, a Rui Madeira por tê-lo proporcionado.

Manuel Guede Oliva

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