domingo, 3 de outubro de 2010

A Cabeça do Baptista no teatro português

A vontade de renovação dramatúrgica de Valle-Inclán motivou uma difícil relação com o teatro comercial do seu tempo. A dificuldade para chegar aos palcos espanhóis explica, sem dúvida, a ausência de estreias em Portugal em vida do autor. Foi preciso aguardar até ao ano de 1964 para ver a primeira montagem de uma obra do escritor galego: Divinas Palabras, dirigida pelo célebre director José Tamayo e representada no Teatro D. Maria II pela Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro.
Mas, apesar das omissões cénicas, Valle-Inclán começava a ter um grande prestígio como dramaturgo. Por isso, foi precisamente A cabeça do Baptista a obra escolhida para ser traduzida e publicada na revista Civilização, no seu número 6, em Dezembro de 1928. É muito provável que a influência que a Salomé de Wilde estava a ter no teatro simbolista português da época e a repercussão da estreia da peça de Valle-Inclán em 1925, em Barcelona (mencionada no nº 1 da própria revista), despertassem o interesse pela obra. Ainda é preciso acrescentar o facto de que a montagem espanhola tinha como protagonista a conhecida actriz italiana Mimí Aguglia, que em datas próximas tivera grande sucesso no teatro D. Maria II com a interpretação da obra de Pirandello, Ciascuno a suo modo.
A obra foi, finalmente, representada pela primeira vez juntamente com Laço de sangue e Sacrilégio (obras que também fazem parte do Retablo de la avaricia, la lujuria y la muerte) na Casa da Comédia e dirigida por Osório de Castro, com sucesso de crítica e público. Oito anos mais tarde, o director Blanco Gil, com o Teatro do Nosso Tempo, estreou o espectáculo Avareza, luxúria e morte n´arena ibérica. Posteriormente, em 1995, José Luis Gómez e a companhia de La Abadía trazia aos palcos portugueses as cinco peças juntas do Retablo, mas, neste caso, já não se trata de uma montagem portuguesa. De facto, no caso de Valle-Inclán, a tónica imperante, uma vez recuperada a normalidade democrática, foi a visita de espectáculos espanhóis aos teatros portugueses, mas as iniciativas próprias para representar o teatro de Valle em português foram residuais.
Resta, por isso, felicitar a Companhia de Teatro de Braga e o Manuel Guede por esta ambiciosa e esperada iniciativa, a qual, decorridos quarenta anos da estreia da peça, tem o desafio de conseguir o propósito que o crítico Carlos Porto exprimia acerca do espectáculo de Osório de Castro: “criar o milagre do Valle-Inclán em português”.

Xaquín Núñez Sabarís
Professor da Universidade do Minho

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